quarta-feira, 31 de julho de 2013

Receita futura pode ser pior que a contabilidade criativa

O corte de R$ 10 bilhões que o governo pretender fazer no Orçamento deste ano é pouco para o mercado financeiro, mas é algum contingenciamento. Em entrevista ao blog "Casa das Caldeiras" , do Valor, o pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV) José Roberto Afonso, doutor em economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), alertou que a importância do corte depende da natureza da receita e do gasto contingenciado. Nesse caso, diz, não houve corte, mas sequestro de dotação.

"Recorrer a receitas de futuras concessões pode ser até pior do que a contabilidade criativa", diz. "Receitas esporádicas e extraordinárias não deveriam ser contadas para financiar gastos correntes, como me parece que se está fazendo. Significa imputar aos governos e às gerações futuras que paguem o custo pelos eventuais desarranjos dos atuais governos e gerações."

Para Afonso, credibilidade fiscal se reconquista com discurso coerente e medidas realistas. "É melhor um indicador fiscal ruim do que um indicador que nada indica. A melhor prova disso é que as autoridades monetárias acabaram de anunciar que agora usam outro indicador para avaliar a situação fiscal, o resultado estrutural."

Valor: O governo anunciou um corte adicional de R$ 10 bilhões no Orçamento. É um corte cosmético?

José Roberto Afonso: São duas questões diferentes. Primeiro, o tamanho do corte depende da receita - se está havendo frustração em relação ao previsto originalmente no Orçamento e se a receita é sólida. Segundo, a natureza do gasto contingenciado - não houve corte mas sim sequestro de dotação. Nesse momento, a magnitude do corte frente à arrecadação é a questão mais importante. O desempenho da arrecadação está aquém da expectativa e me parece que faltam análises mais consistentes para explicar o que se passa. Recorrer a receitas de futuras concessões, especialmente do pré-sal, pode ser até pior do que a contabilidade criativa. Receitas esporádicas e extraordinárias não deveriam ser contadas para financiar gastos correntes, como me parece que ora se está fazendo. Significa imputar aos governos e às gerações futuras que paguem, e sem querer, o custo pelos eventuais desarranjos dos atuais governos e gerações. Rapidamente foi abandonado o preceito de que as riquezas do pré-sal deveriam ser poupadas e aplicadas, de forma a se usar a cada momento apenas os rendimentos: já vamos queimar o principal.

Valor: A expectativa do governo de recuperar credibilidade fiscal com esse ajuste é um exagero?

Afonso: Credibilidade se reconquista com discurso coerente e com medidas realistas. Há uma cobrança unânime por uma meta fiscal que seja realista e crível. Eu acredito que a maioria do mercado financeiro preferia uma meta de superávit primário inferior aos 2.3% do PIB, mas com a certeza de que seria alcançada sem qualquer medida atípica. É melhor um indicador fiscal ruim do que um indicador que nada indica. Prova isso as autoridades monetárias (responsáveis pelo cálculo e divulgação de dados oficiais de dívida líquida e necessidade de financiamento) anunciarem recentemente novo indicador para avaliar a situação fiscal - o resultado estrutural.

Valor: A política de desoneração tributária, agora em vias de interrupção ao que parece, não levantou a atividade. O sr. tem essa visão? Essa política trouxe benefícios?

Afonso: Não há dúvida que a produção desacelera, que a indústria e os investimentos patinam, que a balança comercial piorou por décadas... Mas isso não é culpa das desonerações tributárias: elas podem ser acusadas de terem sido ineficazes para reverter esse cenário. São duas questões em abertos sobre as desonerações. Primeiro: quais eram realmente os seus objetivos? Segundo: como eles foram avaliados? O que mais fracassou foi a formulação dos incentivos. Foram dados em caráter pontual, focalizado - na prática, eu não vejo muita diferença entre regimes especiais de tributos federais e a guerra fiscal do ICMS estadual, tão criticada pelo governo federal, que fazia praticamente o mesmo. A alternativa seria realmente desonerar exportações e investimentos em caráter geral, o que exige devolver os créditos tributários acumulados; gastamos bilhões de reais e não resolvemos esse problema, e os créditos se acumulam cada vez mais. A desoneração da folha salarial é o caso mais eloqüente de falta de critério na concessão de benefícios, pois se abandonou rapidamente a tese inicial e correta de beneficiar os setores intensivos de mão de obra e expostos a concorrência internacional predatória. Hoje, parece que vale a seleção dos amigos do rei.

Valor: Se o governo não renovar algumas desonerações em 2014, a condição fiscal do Brasil melhora?

Afonso : A perda de arrecadação já está contratada, exatamente como o aumento do endividamento público estadual e municipal. Muito das medidas adotadas nos últimos meses só produzirão efeitos nos próximos meses e anos, mesmo que não se façam mais novas concessões. São contratos e precisam ser respeitados em um estado de direito. O que mais preocupa, para a macroeconomia fiscal, é a desoneração da folha salarial, pois foi generalizada sem o menor critério e sem qualquer cobrança de desempenho da produção, do emprego ou da massa salarial - por isso que insisto: é muito parecido com a guerra fiscal do ICMS, que pode constituir o atalho mais curto para transformar renúncia de recurso público em lucros privados. Cortar e negar qualquer nova desoneração, como se a motivação inicial já tivesse sido equacionada, é a confirmação da absoluta falta de critério que baliza a política tributária nacional. A produção acelerou? O emprego cresceu? As exportações e os investimentos dispararam? O custo Brasil caiu? É típico do Brasil o 'oito ou oitenta', quando não se sabe onde está, para aonde se quer ir, e, o principal, como lá chegar? Falhamos. Ao invés de acabar com qualquer desoneração, seria melhor trocar a sua natureza e não premiar apenas os amigos do rei.

Valor: A arrecadação federal teve aumentou real de quase 1% no primeiro semestre entre 2012 e 2013. Mas a taxa salta para 44% no caso do IRPJ/CSLL recolhido pelas grandes empresas. Empresas e bancos estão tendo lucro?

Afonso: Já é sabido que a engenharia fiscal montada pelo Tesouro transformou dívida pública em receita primária de dividendos oriunda dos bancos e empresas estatais. Mas o dividendo é só a ponta do iceberg.

Texto confeccionado por: Angela Bittencourt

Fonte: Site Contábil

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