Jornal do Comércio / RS
Gilvânia Banker
Ganha cada vez mais espaço no Brasil a tentantiva de resolver os conflitos e buscar um acordo entre as partes antes que elas abram processos e busquem seus direitos no Judiciário
A prática de mediar e conciliar conflitos vem crescendo no Brasil, para o alívio dos juízes que se perdem em pilhas de papéis acumulados. De acordo com o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), o número de processos que ingressaram somente no Juizado Especial Civil no ano de 2010 totaliza 322.978 documentos. Os juizados especiais foram criados para resolver, gratuitamente, causas consideradas simples.
Cada vez mais, processos se acumulam nas 164 comarcas de juizado especial no Estado. Apesar disso, no ano passado, foram resolvidos 333.465 casos que tramitavam há mais de ano. De acordo com o TJRS, é difícil prever o prazo para resolução de um processo. De modo geral, tanto civil quanto criminal, o tempo médio é de cinco anos.
Mas existem casos bem mais antigos ainda sem resolução. Já pela Lei da Arbitragem nº 9.307/96, a determinação é de que o conflito seja resolvido em até seis meses. Porém, a arbitragem abrange somente casos chamados de patrimoniais e disponíveis, ou seja, casos comerciais e empresariais.
“Está se utilizando da Justiça como anteparo para retardar decisões ou deixar de tomá-las”. A indignação é do advogado Marco Túlio de Rose, que aguarda ansioso por decisões dos tribunais em casos com mais de 30 anos. Para o advogado, o Judiciário caiu no descrédito pela morosidade. “A mediação e arbitragem são uma das vertentes para desafogar os tribunais”, confia o advogado, que vê nas formas de resolução de conflitos um caminho mais rápido para o consumo de massa.
Nos Estados Unidos, as demandas menores passam necessariamente pela mediação e arbitragem. “O juiz obriga que a fornecedora submeta o caso antes a essa via”, comenta o advogado, que acredita que o modelo poderia ser adaptado no Brasil.
A prova de que o Judiciário especial está ganhando um aliado na resolução de conflitos pode estar no número de processos que tramitam no Tribunal de Mediação e Arbitragem do Estado do Rio Grande do Sul (TMA/RS).
De acordo com o presidente do TMA/RS, Roque Bakof, desde a sua formação, em 2000, a entidade já acumula cerca de 400 mil processos em seu histórico, contabilizando os documentos das seccionais, presentes em mais de 40 municípios.
Para reforçar, Bakof conta que, somente no mês de junho deste ano, a matriz em Porto Alegre recebeu 800 processos. “Isso é fruto da maior divulgação e conscientização quanto à importância do diálogo para a solução das divergências”, explica.
Bakof atribui este aumento da procura aos advogados, que, segundo ele, passaram a perceber a agilidade e a capacidade de solução pacificadora e a confidencialidade que esta via representa. “Os tribunais de mediação não estão tirando o papel dos advogados, pelo contrário, pois, no documento remetido à parte, destaca-se que ele pode estar acompanhado de seu advogado.
Maioria das contestações envolve aspectos econômicos
Os casos que chegam ao Tribunal de Mediação e Arbitragem do Estado do Rio Grande do Sul (TMA/RS) são diversos, tais como demandas locatícias, desentendimentos com mecânicas de automóveis, ou seja, todas as relações que envolvam aspectos econômicos. Segundo o presidente do TMA/RS, Roque Bakof, a atuação do tribunal é diferente das câmaras, pois tem enfoque na promoção de justiça em comunidades. Por isso, as seccionais também são apresentadas como Fóruns de Mediação e Justiça Comunitária. “Atuam com propostas constituídas e exercitadas por cidadãos, que surgem como amplas mobilizações comunitárias, onde acolhem cidadãos de diversas profissões e formações, líderes nas suas comunidades”, explica o presidente. “As audiências são conduzidas por um colegiado de três juízes mediadores. Não julgamos de forma monocrática, e sim de forma colegiada”, reforça.
O índice de acordos nas seccionais é em média de 94%, e são consolidados por uma sentença homologatória arbitral, em que os três juízes mediadores assinam a sentença. Nos casos em que não houver acordo, analisam os fatos, documentos, provas pericias, testemunhas etc. De forma colegiada assumem uma posição com uma interpretação pluralizada e a reproduzem em uma sentença arbitral.
Com a aproximação da Copa do Mundo, há uma expectativa de aumento no número de processos para a arbitragem. De acordo com a presidente do Comitê Brasileiro de Arbitragem (Cbar), Adriana Braguetta, a estimativa é que a demanda cresça. Ela explica que, em razão das inúmeras obras, podem ocorrer divergências e litígios, necessitando a intervenção arbitral.
A diferença entre mediação, conciliação e arbitragem está no envolvimento das partes. O conciliador representa os interesses de uma parte envolvida. Diferente do mediador, que não se encontra envolvido, é uma terceira pessoa escolhida em comum acordo pelos conflitantes. O mediador é o intermediário nas relações. Já na arbitragem, o árbitro toma a decisão, faz o papel de juiz. A arbitragem é baseada na Lei 9.307/96 e tem prazo máximo de seis meses para a resolução. Um mesmo processo pode passar pelas três vias, mas há casos em que é resolvida já na primeira instância, na conciliação.
Federasul lança câmara para diminuir tempo nos processos
A Federasul lançou, no início do mês de julho, a Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem, a Cbmae Federasul, com o objetivo de diminuir o tempo e o retorno nos processos. Ela está ligada à Câmara Brasileira de Mediação e Arbitragem, coordenada pela Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB). Trata-se de uma via alternativa para buscar a solução extrajudicial de conflitos patrimoniais, desafogando as demandas do Judiciário e reduzindo custo e tempo às pessoas jurídicas e físicas.
Para o superintendente da câmara, André Jobim de Azevedo, com a morosidade do Judiciário abre-se essa alternativa de resolução que, segundo ele, está prestigiada junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Segundo Azevedo, a arbitragem é muito solicitada nas questões empresariais e de negócios internacionais; ela entra como uma forma capaz de resolver conflitos e negócios por ter poder de direito. “As câmaras podem garantir a agilidade nas soluções dos conflitos, reduzindo, a partir daí, os custos de um processo. Com a câmara, a sentença terá de ser proferida no prazo fixado pelas partes. Não havendo tal previsão, aplica-se o prazo determinado pela leia Lei de Arbitragem”, explica.
Apesar da facilidade de resolução, há poucas câmaras arbitrais no Brasil. Segundo o superintende, existem algumas privadas, mas não passam de 70. A gaúcha Cbmae Federasul é a 31ª no País, que está ligada à Câmara Brasileira de Mediação e Arbitragem. Em Porto Alegre, existem as câmaras ligadas às entidades de classe, como do Conselho Regional de Administração, Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Rio Grande do Sul, entre outras. Todas são setoriais, prestando serviços aos seus associados.
A câmara irá funcionar nas três etapas, na conciliação, na mediação e na arbitragem. O custo imediato da solução arbitral pode ser inferior ao de um processo judicial em até 70%, especialmente aqueles de tramitação mais demorada.
Os serviços já podem ser acessados na Federasul. A câmara está localizada no quinto andar do Palácio do Comércio e as informações estão no site www.federasul.com.br. Os custos da conciliação, mediação ou arbitragem seguem a tabela nacional da Cbmae proporcional ao valor da causa. No caso de processos de R$ 1 mil a R$ 2 mil, por exemplo, o total cobrado em taxas será de R$ 150,00.
Sistema pode provocar mudança de mentalidade
Os litígios judiciais, as famosas “briga de braço”, em que cada parte acredita que tem razão, pode mudar no futuro. A regra da arbitragem deixa claro: “não cabe recurso”. Na opinião da presidente do Comitê Brasileiro de Arbitragem (Cbar), Adriana Braguetta, este é o ponto que provoca a mudança de mentalidade num País acostumado a tudo recorrer à Justiça. “Não temos a pretensão de concorrer com o Judiciário,” explica a presidente, buscando esclarecer o papel de cada um mostrando que o volume de trabalho ainda é infinitamente menor na mediação e arbitragem. O superintende da Cbmae Federasul, André Jobim de Azevedo, é mais enfático e diz que o brasileiro, ao recorrer da decisão judicial, atesta que não confia na decisão do juiz. “Cada um quer ter razão”, critica.
O presidente Estadual do Tribunal de Mediação e Arbitragem do Estado do Rio Grande do Sul (TMA/RS), Roque Bakof, também entende que a mediação e a arbitragem não surgem para substituir o trabalho do Judiciário, mas sim para fazer parte de uma nova realidade.
Quem busca por este caminho quer solução rápida, mas nem sempre é o mais vantajoso economicamente. Segundo a presidente do Cbar, a tabela de honorários de um árbitro gira em torno de R$ 450,00 (média nacional) a hora para pequenos litígios. “Em alguns casos o Judiciário pode ser mais interessante economicamente”, comenta.
A alternativa que foge ao ajuizamento é incentivada pelos tribunais e até mesmo pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). No Meeting Jurídico da Federasul, realizado no início de julho deste ano, a ministra Eliana
Calmon falou do intuito do órgão criar sistemas alternativos de conciliação e arbitragem. O conselho, em funcionalidade há seis anos, tem a competência de manter o bom funcionamento da Justiça brasileira.
Para ela, o importante é garantir velocidade nos processos judiciais. A ministra falou ainda do desejo de realizar parcerias com sistemas alternativos de mediação e arbitragem. “O conselho investe muito na parceria com outras entidades e isso tem representado bons resultados quanto à mediação. Até o final do ano, já estão marcadas cerca de 20 mil conciliações em todo o País”, contou.
A juíza corregedora do TJRS Ana Claudia Cachapuz Silva Raabe comenta que cada vez mais surgem
novas alternativas de resolver conflitos e conta que o TJRS possui convênios com algumas universidades, com equipes de professores e estudantes que trabalham focados na mediação e na conciliação.
Buscando solucionar os problemas de forma ampla, o atendimento contempla, em alguns casos, outras disciplinas, como a psicologia, por exemplo. Ela diz que esta também é uma forma de mudar a mentalidade das pessoas. O advogado Marco Túlio de Rose concorda que já está havendo mudanças neste sentido. “Daqui a alguns anos, não vamos mais conceber o País sem a mediação e a arbitragem”, comenta.
Contadores têm um mercado promissor na resolução de conflitos
O exercício da atividade de mediador, conciliador ou árbitro não exige diploma, porém, o trabalho se torna mais eficiente quando o mediador é especialista no assunto que está tentando resolver. Portanto, casos comuns que chegam às câmaras e tribunais baseiam-se em números e, para os profissionais da contabilidade, este pode ser um excelente mercado.
A contadora Tânia Moura da Silva atua na Câmara de Mediação e Arbitragem da cidade de Santa Maria. Atualmente, segundo ela, por falta de conhecimento da população, a média de atendimento não passa de três pessoas por mês, e os problemas são resolvidos em prazos recordes de até dois meses. “É um bom mercado para os contadores”, avalia, aconselhando os colegas a procurar esta outra possibilidade de trabalho.
“O contador já faz isso no seu dia a dia, o fato de atuar como mediador é só uma questão de oficializar”, comenta a contadora Rosane Kuhn, que atua na seccional do Tribunal de Mediação e Arbitragem de Estância Velha. Para ela, o profissional ainda não acordou paraeste trabalho. “Existe este espaço e nós sabemos do que as empresas necessitam”, justifica.
Para Rosane, precisa haver mudança cultural para que o mercado consiga ver no contador, também um mediador. O advogado Marco Túlio de Rose diz que os contadores têm papel indispensável nas questões judiciais. “Já tive casos em que, o contador me provou que, se eu perdesse, ou seja, aceitasse um acordo, ainda assim eu sairia ganhando. Às vezes quando se perde se ganha”, pondera.
Fonte: Fenacon
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