Narciso Doro
Uma explosão, dia 13 de outubro, no restaurante Filé Carioca, no centro do Rio de Janeiro, causou a morte de três pessoas e ferimentos em 17. Ao prestar depoimento na delegacia, o proprietário eximiu-se inteiramente de culpabilidade, jogando a responsabilidade no seu contador, fato que levou o Conselho Regional de Contabilidade do Rio de Janeiro a estabelecer processo de investigação e prometer punir o profissional caso a acusação se confirme.
Esse triste episódio vem ressaltar como responsabilidades são facilmente atribuídas aos profissionais da contabilidade. Sem conhecer detalhes, não vamos fazer aqui a defesa do contador do restaurante, mas, via de regra, um profissional só responde pela parte formal, legal da empresa, na fase de abertura, e depois nas demonstrações contábeis e obrigações fiscais. Aspectos relativos a segurança, meio ambiente e outros não são da sua alçada. A tragédia do Filé Carioca envolve também, além do proprietário, o Corpo de Bombeiros, que teria emitido laudo proibindo o uso de gás no prédio, e agentes municipais, que têm a obrigação de vistoriar ambientes comerciais e, em caso de irregularidades, multar e até fechar.
A exemplo dos romances de Sherlock Holmes, em que a culpa é sempre do mordomo, instalou-se no Brasil, desde a época do guarda-livro, suspeitas sobre o contabilista, criando-se um estereótipo negativo da sua imagem, explorado inclusive em novelas de televisão. Se uma empresa dá o calote no fisco, imediatamente apontam o contador. Se entes públicos têm as suas contas reprovadas pelos tribunais, questionam o responsável pela contabilidade.
Ao aprovar o princípio da solidariedade, o Código Civil permitiu que empresários transferissem algumas das suas funções aos contabilistas, situação que nos levou a fazer seguro de responsabilidade civil pelo temor de responder solidariamente a reclamações judiciais. A lei nos converteu em fiadores das organizações para as quais, na verdade, apenas prestamos serviços contábeis.
Com a Lei de Responsabilidade Fiscal, passamos a ser apontados como culpados por erros, nas finanças de órgãos públicos, quando não por coisas mais graves, quando os verdadeiros autores são os gestores que manipulam politicamente os recursos e não observam as regras de objetividade e transparência.
O dever dos contabilistas é fazer contabilidade, demonstrações, escriturações, balanços e outras peças próprias da atividade. Quanto a isso, somos fiscalizados pelo Conselho Regional de Contabilidade e somos punidos em casos de omissões, podendo ter o registro profissional cassado. Essas obrigações estão previstas no Decreto-Lei 9295/46, reformulado parcialmente pela Lei 12.249, no ano passado, impondo exigências ainda mais severas.
Pode até ser que o contador do restaurante Filé Carioca tenha a sua dose de responsabilidade no caso. Mas, de um modo geral, não é justo que, em toda e qualquer situação, principalmente naquelas de cunho financeiro, sejamos inscritos como culpados por coisas que não são da nossa competência ou ainda expostos como suspeitos perante a sociedade, condenados antes de apuração e julgamento, estigmatizados.
É oportuno lembrar que é graças à atividade do contador que as empresas podem planejar o seu crescimento e os entes da administração pública exibir ética em suas contas.
Contador, empresário da contabilidade e presidente do Sindicato dos Contabilistas de Curitiba; e-mail: narciso@narcisodoro.com.br
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