O sono é fuga, exílio delicioso
- Espécie de balanço veneziano
Todo coberto de um etéreo pano
Feito de brisas, leve e vaporoso...
A alma liberta do casulo humano
Vence abismos no espaço misterioso,
Cavalga o próprio sol, corcel fogoso,
Colhe estrelas no fundo do oceano.
Fração de morte, fim sem sepultura,
- Interlúdio de mágica ventura -
Em que o homem se eleva e, sem que o note,
Rompe as cadeias deste cativeiro,
Como um pajem armado cavaleiro
Ou Sancho promovido a D. Quixote...
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Minha alma é velha estrada esburacada
Cheia de sulcos longos e profundos,
- Caminho que conduz a ignotos mundos
Perdidos na distância ilimitada -
Alma deserta e só... Silêncio e nada...
Nem o tropel dos sonhos vagabundos
Que em tempos idos, prósperos, fecundos,
Galopavam garbosos nessa estrada...
Há uma vegetação que sempre nasce
Sobre os caminhos velhos, esquecidos,
Para cobrir-lhes a hedionda face.
Mas, é triste que uma alma assim se exponha,
De escombros nus, patentes e despidos,
Na exaltação, inglória da vergonha.
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Quando a carta palpita entre os seus dedos,
No esfuzilar do lance decisivo,
Dá-lhe a impressão de um ser humano e vivo,
A revelar seus íntimos segredos...
Homem-menino, em meio de brinquedos,
É um ser ingênuo, simples, afetivo,
Que, de repente, ríspido, impulsivo,
Penetra infernos, rompe abismos tredos...
Vermelho e negro: fogo, incêndio e morte...
Que símbolos estranhos os da sorte!
- Losangos, corações e negras cruzes...
No jogo há mágicas de ilusionistas,
Milagres de faquires e alquimistas
Que fundem trevas e fabricam luzes.
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Feio, hediondo - Quasimodo ou Vulcano -
Feio, hediondo - Quasimodo ou Vulcano -
Corpo mal feito, exóticas feições,
Ei-lo a integrar o aglomerado humano,
Embora incluído entre as aberrações...
Passa a vida a enganar-se e, nesse engano,
Tem delírios de estranhas proporções:
Julga-se um mago, um semi-deus indiano
E se desdobra em transfigurações...
Vive excitado em meio à humanidade -
Constrangido em complexos de humildade,
Vai bebendo a amargura em alta dose.
Inveja a larva que há de ser falena:
- Bem mais feliz é aquela irmã pequena
Que espera a glória da metamorfose...
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Sou pobre, roto, esquálido mendigo,
Sozinho, incompreendido, escorraçado...
Sou pobre, roto, esquálido mendigo,
Sozinho, incompreendido, escorraçado...
Corpo sem teto e alma sem abrigo
- Raro exemplar de um clã desbaratado.
Venho talvez de um tempo muito antigo,
De uma era longínqua do passado.
Sinto que o mundo nada quer comigo
É a minha vida é a de um desajustado.
Mas, em noites de insônia e de tormento,
Às vezes ponho o olhar no firmamento
À procura de luz e de esperança.
E sonho: - O céu é o teto iluminado
Do meu palácio esplêndido, encantado,
Onde posso brincar como criança...
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