Era noite de festa em minha terra.
(Quanta saudade esta lembrança encerra!)
Regurgitava alegre a velha praça
Risonha e iluminada. A população
Tinha risos no olhar e no semblante,
Ostentando um prazer contagiante,
Uma alegria simples, leve e pura
Como uma onda suave de ternura
Que passasse envolvendo os corações.
As crianças em alegres explosões
De entusiasmo infantil tomavam parte
Naquela festa em que faltava a arte
Mas sobrava a alegria. Naquela idade,
Pondo no movimento a agilidade
E a força elástica do corpo, era
Como se fossem sóis de primavera
Ou andorinhas loucas a brincar
Na placidez balsâmica do ar.
As atenções eram voltadas, creio,
Para um mimoso, esplêndido torneio
De destreza infantil. Saltos, corridas,
Estranhas e magníficas partidas
Em que se disputava a primazia,
Numa renhida e cálida porfia...
De repente, porém, a multidão
Volta a sua volúvel atenção
Para uma vertical, esguia estaca,
Que no centro da praça se destaca,
Tendo na ponta um prêmio sedutor
A trumular dos ventos ao sabor.
É o pau de sebo: dizem. E, de fato,
Aquele poste até agora intacto,
Com o aspecto viscoso e reluzente
De monstruosa, elástica serpente,
Tem a polida superfície untada.
Começa agora a íngreme escalada.
Vários meninos ágeis, adestrados,
Ao poste liso, unidos, abraçados,
Tentam subir à ponta inacessível,
Ganhar o prêmio, próximo, visível,
Que, como um lenço baloiçando ao vento,
Parece dar-lhes ânimo e alento.
Quanto tempo perdido em tentativas!
Quanta vez, sob aclamações festivas,
Algum deles chegou perto do fim,
Sentiu ao seu alcance o galarim
Por que lutava... Era o mais forte,
Mais ágil, mais veloz ou de mais sorte:
Todos diziam, mas eis que desliza,
Volta ao solo e, de novo, a terra pisa.
Outro sobe na frente, glorioso...
Mas, o mesmo destino já o espera.
E o prêmio será sempre uma quimera,
Encantadora, esplêndida, doirada,
Ao ambicioso olhar da petizada...
Nós vivemos brincando de crianças
No pau de sebo - poste de esperanças
Com a felicidade lá na ponta -
E tentamos subir vezes sem conta,
Doidos, buscando essa ilusão falaz,
Mas deslizamos sempre para traz...
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De minha vida no áspero deserto
Passaram caravanas de ilusões,
Marchando a esmo, sob o céu aberto,
Como estranhas, fantásticas visões...
Tentavam repousar no abrigo incerto
Que a ventura constrói nos corações
- Esses oásis que se vêem perto
No lampejar das alucinações -
No meio delas, beduíno errante,
Com clarões de apoteose no semblante,
Ia a galope o príncipe Ideal...
Sublime e afoito como um sonho louco,
Fugia na distância, pouco a pouco,
Sumindo-se no abismo do areal.
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Ano bom! Ano bom! Quanta esperança
Nessas ocas palavras seculares.
A humanidade é sempre uma criança
Que quer brinquedos simples e vulgares.
Há músicas festivas pelos ares.
Nos corações uma alegria mansa
Derrama risos no interior dos lares
Na previsão de um bem que não se alcança...
E a história se repete tantas vezes,
Que esses janeiros entre os doze meses
Hão de ser sempre os mais afortunados.
É o panorama eterno da existência:
Tudo esperar da infância e da inocência;
Nada querer dos túmulos fechados...
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