O mar bramindo, o mar uivando, o mar
Colérico a espumar como um demente
Arroja o náufrago ora para a frente
Ora para o outro lado a praguejar.
É um felino titânico a gozar
O suplício da vítima impotente:
Quer espremer-lhe a vida lentamente,
Aniquilando-a, aos poucos, devagar...
Também o meu destino é como o oceano:
Brinca comigo num delírio insano,
Com crueldades torvas de felino.
Arremessado a esmo, em desvarios,
Eu danço nesta vida aos sons bravios
Da frauta bárbara do meu destino.
******************************************************************
A minha vida é um belo, esplêndido martírio,
Risonha sucessão de cruzes num calvário,
Gotas de sangue e suor nas pétalas de um lírio,
Clarão de apoteose em fúnebre cenário...
Como se fosse um rei, um soberano assírio,
Sardanapalo alegre e sanguinário,
O meu destino alterna, em crises de delírio,
O seu duplo papel de arcanjo e de sicário...
Nas transfigurações constantes desta vida,
Sinto-me mais feliz com a alma dolorida,
Em pranto, a soluçar, no longo sofrimento...
E como se tivesse o paladar do abutre,
Minha felicidade esdrúxula se nutre
Na chaga luminosa, astral, do meu tormento.
******************************************************************
Aproxima-se o meu cinqüentenário,
Como um imperativo da existência:
Traz na boca o sorriso de clemência
De um patriarca valetudinário.
Durante a vida, em cada aniversário,
Desde a fronteira azul da adolescência,
Guardei moedas de reminiscência
Do coração no humilde relicário.
E permutando os sonhos por lembranças,
Fui-me despindo, aos poucos, de esperanças,
Sabendo envelhecer como uma planta.
Porque o segredo da felicidade
É transformar o sol da mocidade
Em noite de luar tranquila e santa.
******************************************************************
Tudo cantava em derredor de mim.
Era uma longa festa dos sentidos,
Um concerto de harmônicos ruídos,
Uma alegria que não tinha fim.
A minha própria voz, como um clarim,
Vinha repercutir nos meus ouvidos,
Despertando mil sons desconhecidos
Nas vibrações desse íntimo festim.
Hoje... abismada no silêncio ambiente,
Minha alma tenta, mísera, impotente,
Ressuscitar sonoras emoções...
Mas, se lá fora os sons já não ecoam,
Nas íntimas abóbadas reboam
Mudas, silentes, tácitas canções.
Nenhum comentário:
Postar um comentário