sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Gestão de recursos no campo ainda é desafio para a contabilidade

Preparar a terra, semear, cuidar da lavoura e colher a safra não é o único ciclo que precisa ser dominado pelos agricultores. A profissionalização no campo aumenta a necessidade de os produtores incluírem no seu vocabulário termos como patrimônio rural e líquido, ativos e passivos, itens que formam a base geral de dados econômicos e financeiros da propriedade.

A contabilidade rural, como todo ramo das Ciências Contábeis, tem características próprias. As empresas que lidam com gado, por exemplo, têm um ciclo operacional geralmente maior que um ano. Isto porque o gado leva um período de tempo maior do que um ano para nascer, crescer e estar com tamanho ideal para o abate.

Com isso, o longo e o curto prazos se tornam maiores do que os das empresas convencionais. Outra característica específica é a presença mais frequente da reserva de contingência nos balanços patrimoniais, por causa da vulnerabilidade do setor rural às incertezas do clima, como geadas, secas, granizo etc.

Para quem explora a atividade rural como Pessoa Física, a alíquota é estabelecida de acordo com a tabela progressiva do Imposto de Renda, na qual varia de 7,5% a 27,5% sobre a base de cálculo tributável. Com a contribuição ao INSS (Funrural), a incidência sobre o faturamento na alíquota de 2,3%, sendo 2,1% para o INSS e 0,2% para o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar). Quem explora a atividade rural na Pessoa Jurídica tem que recolher: Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).

Atualmente, existem várias linhas no mercado de financiamento para o setor da agricultura e pecuária. Segundo a contadora Lizandra Blaas, da Safras e Cifras Assessora Contábil, tanto com respeito ao custeio da lavoura e da pecuária quanto para investimentos, as mais utilizadas são as do Banco do Brasil, com recursos do Tesouro nacional, BRDE, Bndes e Caixa RS. "Para se conseguir essas linhas de financiamento é necessário apresentar os dados do tomador de crédito, um plano do que e para que se pretende financiar e ainda a apresentação de garantias", explica.

Falta de planejamento dificulta vida do agricultor
 
O pagamento dos impostos não é a principal dificuldade da contabilidade rural, segundo o engenheiro-agrônomo, contador e administrador rural Valdir Sangaletti, extensionista rural da Emater de Barra do Guarita. O grande problema é a questão da organização das propriedades. "Não se tem o hábito de se planejar de forma sistemática. Falta fazer a coisa certa na hora certa."

Segundo ele, é fundamental qualificar a tomada de decisão, caso contrário, se tem como prejuízos a perda de oportunidades, os recursos mal investidos e a não obtenção dos resultados esperados.

De acordo com Sangaletti, toda produção tem que emitir a nota fiscal de produtor na comercialização e também para aquilo que ele consome na propriedade. "Se o dono do terreno abate um animal para o consumo próprio, ele tem que emir a nota fiscal para gerar ICMS no município", afirma, esclarecendo que esse valor entra no bolo para definir o retorno de ICMS para os municípios.

Sobre as opções de crédito e financiamento, o extensionista explica que a linha Pronaf Mais Alimentos é a mais utilizada atualmente pelos agricultores familiares. "O seu foco é mais voltado para infraestrutura e projetos de produção, e permite o pagamento em até dez anos, com juros de 2% ao ano", afirma.

Ele acredita que o financiamento do governo é bem interessante para os pequenos agricultores, desde que o crédito seja usado de acordo com o projeto. Esse é, inclusive, um dos grandes desafios que se encontra hoje no setor. "A grande questão é a boa aplicação do crédito adquirido. Daí vem a importância da assistência técnica e extensão rural. Ajudamos a garantir uma orientação rural dos produtores na aplicação desses recursos", afirma.

Como contador que vive a realidade do meio rural, Sangaletti faz questão de diferenciar a contabilidade agrícola e a gestão financeira da propriedade. "Enquanto uma é ferramenta da gestão, a outra envolve planejamento, organização dos recursos, busca por conhecimento e bom nível de tecnologia." O controle das finanças, na opinião dele, ajuda o agricultor a ter indicadores na mão e, com isso, qualificar o seu processo de tomada de decisão. Indicadores técnicos e econômicos fortalecem o desempenho financeiro e patrimonial da unidade de produção. "A contabilidade agrícola não é um instrumento obrigatório nas pequenas propriedades, apenas nas propriedades maiores, mas quanto menor o produtor, mais fácil ele aceitar nossa ajuda. O médio e grande produtores têm mais medo de mostrar os números", relata.

Ausência de informação complica administração financeira
 
A informalidade de 80% no setor agrícola, registrada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é justificada pelo grande desconhecimento apresentado pelos trabalhadores rurais em relação aos tributos da sua atividade.

Para os pequenos agricultores, o principal suporte para se atualizar em relação aos pagamentos e recorrer às linhas de crédito é a Emater. Por meio dos extensionistas rurais, a tinstituição ajuda na organização financeira desses camponeses. No entanto, o trabalho do órgão público nem sempre dá conta de atender a todos os que têm dúvida.

"Falta informação e instrução para quem é do campo. Há muita gente na informalidade porque não sabe que imposto tem que pagar. É frequente haver confusão sobre questões de tributos, juros e aspectos trabalhistas", constata o produtor rural Vasco Moro Machado.

Embora ele esteja bem orientado pela Emater e atue em sintonia com o grupo de agricultores familiares do Lami e da zona rural de Porto Alegre, o agricultor conhece quem tem dificuldades. Ele relata o caso de um conhecido que acaba de ter que pagar um alto valor em multas por causa da desinformação. Pela articulação em rede junto a outras famílias da sua região, ele encontra caminhos facilitados para atuação comercial da agricultura familiar.

O alvará de participação em feiras, a contribuição do Sindicato Rural, e o IPTU ou Imposto Rural estão entre os impostos a serem pagos por um agricultor para manter o seu negócio em dia.

A partir do financiamento do governo federal, o qual faz uso desde 2006, Machado adquiriu equipamentos para a infraestrutura de sua produção. Comprou pneu e bateria para o trator, bomba d´água para a irrigação, reboque para carregar verduras para a feira, roçadeira, motossera, entre outros. "O Pronaf é útil para investimentos, é uma garantia para o produtor comprar as coisas de que precisa para produzir. Com essa verba, se pagar em até cinco anos, após três anos de carência, a juros de 4% efetivo ao ano."

Além dessa linha utilizada pela família Machado, há outras linhas adequadas a diversos perfis e tipos de prioridades. Para adquirir o financiamento do Pronaf, toda a renda da propriedade deve vir exclusivamente da atividade agrícola.

Lara Ely

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