terça-feira, 5 de outubro de 2010

Poemas de Carlos Robert Keis "Ô Chefe 45"

Ela era minha e tive-a nos meus braços,

Chorei com ela as dores do meu peito...

Cantamos em uníssono perfeito

Como se presos em eternos laços.

Hinos de glória ecoavam nos espaços.

E o meu orgulho esplêndido de eleito

Compunha estrofes no conchego estreito

Dessa Musa ideal de estranhos traços...

Ela - a beleza eterna, imperecível -

Livre das contingências, intangível,

Segue na rota de ouro das auroras...

E eu, que assisti à própria derrocada,

Vivo lembrando essa ilusão doirada

No turbilhão dos dias e das horas.

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Velho cisne, sonâmbulo, dormente,

Embalado num sonho delicioso,

Lá vai o barco, vagarosamente,

Em coleios de fauno voluptuoso.

E beija e lambe o dorso reluzente

Da água do rio. Um frêmito nervoso

Arrepia a epiderme alvinitente

Do rio langue em êxtase amoroso.

E o barco tosco, rústico, pequeno,

Parece um ser feliz, sem dor, sem mágoa,

Sobre um destino plácido e sereno.

E o remador lá vai remando a esmo,

Tendo a visão do céu lá dentro da água

E o paraíso dentro de si mesmo.

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Visionário que fui: quantas quimeras

Alimentei nos tempos de menino!

Grandezas, glórias, luxo peregrino,

Fausto sem par sonhei naquelas eras.

Depois cresci; floridas primaveras

Nutriam de perfume o meu destino.

Fui um eleito, um ser semi-divino,

Um singrador de altíssimas esferas.

Passou-se o tempo. Agora, envelhecendo,

Meu grande sonho vai-se dissolvendo

De minha alma nos íntimos refolhos...

E o meu castelo ideal de tantos anos

Vai-se diluindo ao sol dos desenganos

E se desfaz em lágrimas nos olhos.

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Porque esse tédio, essa amargura

Que envolve a alma da gente?

- Porque essa dor, essa agonia ingente

Que fere e que tortura?

Porque ter dentro da alma esse deserto

Como um vácuo infinito?

Porque esse caminhar ambíguo, incerto,

Trôpego, de precito?

Ó que enfadonho e mórbido cansaço

E que fadiga atroz!

Vendo o destino a se esfumar no espaço

Sempre a correr de nós!

E as multidões passando sobre a Terra

- Tropel de nuvens no ar -

Tudo que a natureza eterna encerra

A gemer e a cantar.

A vida aos turbilhões palpita e estua

Fora da minha vida.

E eu a pensar que a Terra é morta e nua

E eu não tenho guarida.

Ouço o rumor de muitas vozes, longe,

Num círculo distante...

Mas vivo enclausurado como um monge

Tímido e hesitante.

A humanidade move-se apressada

Num redemoinho louco.

Mas, longe... e a minha vista está cansada

E alcança muito pouco.

Sinto-me só. Que solidão tamanha

Rodeia a minha vida!

Acho que a própria humanidade é estranha,

Quase desconhecida.

Vejo-me só, desprotegido e inerme,

Ante o hálito do mundo na epiderme

E esse frio interior!

minha alma é pobre pássaro perdido

- Ave de arribação -

Que voa sob um céu desconhecido,

Sozinha na amplidão...

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