Ela era minha e tive-a nos meus braços,
Chorei com ela as dores do meu peito...
Cantamos em uníssono perfeito
Como se presos em eternos laços.
Hinos de glória ecoavam nos espaços.
E o meu orgulho esplêndido de eleito
Compunha estrofes no conchego estreito
Dessa Musa ideal de estranhos traços...
Ela - a beleza eterna, imperecível -
Livre das contingências, intangível,
Segue na rota de ouro das auroras...
E eu, que assisti à própria derrocada,
Vivo lembrando essa ilusão doirada
No turbilhão dos dias e das horas.
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Velho cisne, sonâmbulo, dormente,
Embalado num sonho delicioso,
Lá vai o barco, vagarosamente,
Em coleios de fauno voluptuoso.
E beija e lambe o dorso reluzente
Da água do rio. Um frêmito nervoso
Arrepia a epiderme alvinitente
Do rio langue em êxtase amoroso.
E o barco tosco, rústico, pequeno,
Parece um ser feliz, sem dor, sem mágoa,
Sobre um destino plácido e sereno.
E o remador lá vai remando a esmo,
Tendo a visão do céu lá dentro da água
E o paraíso dentro de si mesmo.
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Visionário que fui: quantas quimeras
Alimentei nos tempos de menino!
Grandezas, glórias, luxo peregrino,
Fausto sem par sonhei naquelas eras.
Depois cresci; floridas primaveras
Nutriam de perfume o meu destino.
Fui um eleito, um ser semi-divino,
Um singrador de altíssimas esferas.
Passou-se o tempo. Agora, envelhecendo,
Meu grande sonho vai-se dissolvendo
De minha alma nos íntimos refolhos...
E o meu castelo ideal de tantos anos
Vai-se diluindo ao sol dos desenganos
E se desfaz em lágrimas nos olhos.
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Porque esse tédio, essa amargura
Que envolve a alma da gente?
- Porque essa dor, essa agonia ingente
Que fere e que tortura?
Porque ter dentro da alma esse deserto
Como um vácuo infinito?
Porque esse caminhar ambíguo, incerto,
Trôpego, de precito?
Ó que enfadonho e mórbido cansaço
E que fadiga atroz!
Vendo o destino a se esfumar no espaço
Sempre a correr de nós!
E as multidões passando sobre a Terra
- Tropel de nuvens no ar -
Tudo que a natureza eterna encerra
A gemer e a cantar.
A vida aos turbilhões palpita e estua
Fora da minha vida.
E eu a pensar que a Terra é morta e nua
E eu não tenho guarida.
Ouço o rumor de muitas vozes, longe,
Num círculo distante...
Mas vivo enclausurado como um monge
Tímido e hesitante.
A humanidade move-se apressada
Num redemoinho louco.
Mas, longe... e a minha vista está cansada
E alcança muito pouco.
Sinto-me só. Que solidão tamanha
Rodeia a minha vida!
Acho que a própria humanidade é estranha,
Quase desconhecida.
Vejo-me só, desprotegido e inerme,
Ante o hálito do mundo na epiderme
E esse frio interior!
minha alma é pobre pássaro perdido
- Ave de arribação -
Que voa sob um céu desconhecido,
Sozinha na amplidão...
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