segunda-feira, 19 de julho de 2010

Demitidos na crise, executivos voltam em cargo mais alto

Com os cintos apertados durante a crise de 2008-2009, muitas empresas tiveram de dispensar executivos em todos os níveis gerenciais. Com a retomada dos investimentos, algumas companhias preferem preencher as vagas ociosas com os mesmos profissionais que foram desligados. Mas será que vale a pena voltar à antiga empresa?

Especialistas em gestão de recursos humanos acreditam que a "segunda chance" pode gerar ganho de produtividade logo nos primeiros meses da nova fase, já que a cultura da companhia, as atribuições funcionais e as alianças construídas internamente são bem conhecidas do empregado. Do lado da corporação, a prática serve para aproveitar profissionais afinados com os processos de trabalho.

No período pós-crise, os convites de retorno aconteceram, principalmente, em segmentos com alto grau de competitividade, como bens de consumo e autopeças, ou muito específicos, como o setor de mineração. Na maioria dos casos, volta-se com salário e cargo maiores.

"Apresentar um plano de ação já nos primeiros 30 dias de trabalho pode gerar um impacto positivo", sugere Carlos Eduardo Altona, sócio da consultoria Exec. Para os consultores de RH, o profissional precisa conhecer o real motivo do desligamento, a posição em que vai voltar, a nova estrutura da empresa e as perspectivas reais de carreira.

Segundo Regina Izabel Cadelca, vice-presidente da Catho Consultoria em RH, o mais comum entre as empresas é recontratar um antigo funcionário para um nível hierárquico acima do ocupado na experiência anterior. "Isso acontece muito na área comercial, que leva em conta o conhecimento do executivo sobre produtos, mercado, filosofia corporativa e gestão de equipes."

Para Lúcia Costa, sócia-diretora da área de transição de carreiras da consultoria Mariaca, independentemente do motivo do desligamento, uma demissão sempre gera desgaste e pode significar o início de uma ruptura fatal entre o funcionário e a empresa. "É importante que o executivo avalie o quanto a saída do emprego o abalou e se há ressentimentos. Nesse caso, pode não ser uma boa ideia retornar", aconselha. "Mas se o desligamento foi feito com transparência, um novo convite é uma oportunidade." A Mariaca teve alguns casos de recolocação pós-crise, mas que não chegaram a 10% do total de processos de admissão. Entre eles, um executivo de uma multinacional de eletroeletrônicos que foi desligado durante uma reestruturação e acabou recontratado seis meses depois, para dirigir uma nova divisão da companhia.

De acordo com Cláudio Garcia, presidente da DBM, consultoria especializada em gestão de capital humano, é preciso que o profissional avalie se vai ficar confortável entre os colegas que permaneceram no escritório. "O emocional pode afetar o comportamento e o comprometimento do executivo na função" explica. "Mas se isso não for uma dificuldade e o candidato avaliar que o trabalho está alinhado com propósitos de vida e de carreira, não há problema em retornar." Segundo Costa, o funcionário não deve reaver o cargo para continuar do ponto onde parou, mas criar uma nova história dentro da corporação. "Pode ser uma ótima oportunidade para alinhar temas que não foram bem resolvidos no passado e começar, realmente, do zero. Alguns profissionais voltam até com uma remuneração superior à que saíram", afirma. "É fundamental enxergar o retorno como um novo desafio que vai contribuir para a organização e o desenvolvimento da carreira."

A diretora da Mariaca acredita que o regresso pode apresentar mais vantagens no pacote de boas-vindas. "O executivo tem muito mais conhecimento e segurança sobre o que vai encontrar. Sabe os desafios, problemas e oportunidades na empresa. Com isso, consegue administrar melhor as expectativas." Por outro lado, a previsibilidade no ambiente de trabalho pode atrapalhar a performance. "É difícil se renovar em um cenário conhecido." Para Marcelo Braga, sócio da Search Consultoria em Recursos Humanos, o empregado não pode cair na zona de conforto e manter um comportamento igual ao da experiência anterior. "Isso o fará ser o primeiro a sair em um momento difícil da empresa."

Segundo Garcia, da DBM, ao aceitar a proposta, o profissional tem de saber por qual razão está voltando e quais são as regras da nova fase. "Qualquer que seja o motivo que o levou a ir embora, é preciso ter total clareza das razões da volta", afirma. "Entender por que foi escolhido em um processo de demissão pode levar o executivo a entregar melhores resultados na nova etapa."

No auge da crise, em janeiro de 2009, a publicitária Tatiana Garcia saiu da Katálogo, da área de distribuição de software. Era estagiária e voltou exatamente um ano depois, em uma função mais graduada, como analista de marketing. "Na época, o departamento de marketing foi afetado pela recessão e os principais executivos deixaram a empresa."

No intervalo entre os dois períodos na mesma companhia, Garcia trabalhou em três agências de publicidade. "Hoje, tenho mais responsabilidades no cargo e posso ensinar tudo o que aprendi à equipe."

Para Tatiana, um convite para coltar a um emprego sempre deve ser considerado. Mas antes de tomar a decisão, ela aconselha conversar com os antigos colegas para "sentir o clima" da companhia. Segundo ela, os benefícios da volta compensam. "Você se sente em casa, conhece bem a empresa e sabe com quem falar para o trabalho andar mais rápido."

De acordo com Altona, é importante para a direção entender o que se espera do profissional na retomada. "Deve-se inovar e buscar soluções 'fora da caixa'", ensina. Outra recomendação é estreitar as relações pessoais pouco desenvolvidas antes da demissão. Para Marcelo Braga, da Search Consultoria, o funcionário precisa enxergar a oportunidade como se fosse trabalhar em uma nova empresa. "Ele não pode contar com os espaços conquistados anteriormente. Precisa criar uma outra imagem, melhor que a antiga", orienta. "E, logo nos primeiros meses, mostrar que é um profissional mais maduro."

Jacilio Saraiva


 

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