Era um rapaz de modos elegantes,
Feições bonitas e fidalgos traços,
Que andava às tontas, ensaiando os passos
Trocando as pernas bambas, hesitantes...
E quantas vezes, de olhos chamejantes,
Falando a sós e sacudindo os braços,
Vi-o na rua à moda dos palhaços,
Fazendo esgares para os circunstantes.
Soube-o mais tarde: ele era um desgraçado
Que tinha uma tragédia no passado
E queria esquecer o mal sem cura.
Mas trazia um demônio na memória
Que vivia apregoando a sua história,
Reproduzindo a sua desventura.
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Num êxtase, minh'alma se liberta
Do corpo que a detém. Caminha incerta
E vacilante pela treva densa.
Sente-se só dentro da noite imensa.
Ouve vozes confusas. Vê lampejos
Esquisitos que fulgem como beijos
De gênios invisíveis. As estrelas,
Já perdendo o fulgor, quase amarelas
- Topázios, engastados em turquesa -
Lançam clarões dormentes de tristeza
No torpor cataléptico do mundo.
Num grande sono mórbido, profundo,
A Natureza dorme. Minh'alma forte,
Ante esse quadro apático de morte,
Exulta e vibra de alegria franca.
É como a asa de uma pomba branca,
Sozinha a palpitar na escuridão.
Na paz nirvânica da solidão,
Dentro da sombra e dentro do mistério,
Recorda Hamlet em pleno cemitério,
Louco, a filosofar entre caveiras,
Analisando as vidas passageiras
Consumidas ali. Assim minh'alma,
Perambulando a sós na noite calma
Nos intermúndios do Desconhecido,
Segue um desejo louco indefinido,
De buscar através das negras sombras,
Como se busca um fruto nas alfombras,
Em vez dos ossos lívidos de um crânio
Que se arrancam de um fosso subterrâneo,
A forma viva, nítida, real,
Dessa incógnita eterna, universal,
Miragem de mil modos concebida,
Razão de ser, estímulo da vida,
Que a gente pensa sempre ter deixado
Nunca curva longínqua do Passado,
Mas que se espera ver a cada instante,
Como a sombra que vemos sempre adiante,
inatingível, lépida, ligeira,
Fugindo na vertigem da carreira -
Ou a falena de oiro refulgente
Atrás da qual se corre eternamente
Sem nunca se alcançar... Felicidade!
- Visão antiga envolta na saudade,
Incorpórea, invisível, abstrata,
Sem forma certa e sem figura exata -
Ou borboleta esquiva, fugidia
- Bizarra concepção da fantasia -
Voejando de ilusão em ilusão
No espaço imenso da imaginação.
O desvario do êxtase domino:
Eis que já lentamente raciocínio
E verifico que a Felicidade
Não é uma conquista da Vontade,
Mas é o fenômeno íntimo, inconsciente,
Que não se pode achar no meio ambiente
Nem se produz no mundo exterior.
Mesmo no encanto mágico do amor
Ou no apogeu mirifico da glória
Ela é sempre falaz e transitória.
não promana de externas influências
Nem se nutre de vãs reminiscências.
Vive conosco, ignota, ocultamente,
Dentro de nós, incógnita, latente,
Como um bacilo dentro do organismo.
Ela se ri do nosso cepticismo.
Como no oceano a pérola se esconde,
Ela se oculta não sabemos onde
Dentro do nosso ser. No entanto, inquieta,
Pobre hermeneuta, humílima exegeta,
A nossa conturbada inteligência
Quer decifrar ao enigma da existência,
Mas vai sem bússola à mercê da sorte,
Indo esbarrar, exânime, na morte.
O homem assiste às lutas sucessivas
De suas próprias forças subjetivas
E não pode intervir. Quer ser feliz.
Creia e refina os gozos mais sutis,
Engolfa o espírito na ciência e na arte,
Busca a Felicidade em toda a parte.
Ai! deixasse ele de indagar a esmo
E procurasse-a dentro de si mesmo!
Pois a Felicidade é em nós que existe
E sei que simplesmente ela consiste
No equilíbrio de nossas faculdades,
Na harmonia e na paz das entidades
Várias e múltiplas de nosso ser.
Nem sempre achamos íntimo prazer
Onde o alheio prazer se manifesta.
Pois, o homem chora num salão de festa
E, dominado por estranho império,
Tem vontade de rir num cemitério.
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