Quando meus netos estiverem grandes
e a morte me afastar do meu convívio,
talvez um deles se interesse um pouco
por cousas velhas e papéis inúteis,
e abre este livro, então. Rir-se-á talvez...
Mas é possível que em sua alma ecoem
atávicas ressonâncias...
e estes retalhos lívidos de sonho,
na paisagem nevoenta da saudade,
talvez palpitem cheios de ternura
no trêmulo murmúrio de uma bênção.
E teremos, então, vencido o tempo e a morte
e cantaremos como dois Irmãos...
Há um silêncio de morte nas ruínas
Desta velha tapera abandonada;
Nem os ecos de antigas cavatinas,
Nem a mais leve ressonância... nada.
Suavidades de mágicas surdinas
Diluídas na paisagem desolada...
Gorjeios de gargantas argentinas
Dormem no abismo da última alvorada.
Sobre o fúnebre manto do abandono
Passam asas vampíricas de sono,
Adejam sombras lúgubres de agouro...
Mas, vem o sol. Milagre que se opera:
Ressuscita o cadáver da tapera,
Põe-se a dançar amortalhado em ouro.
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Lembro-me ainda dessas noites quentes,
Cheias de misticismo e sem luar.
As moças enlaçadas em correntes
Andavam lentamente a passear
E os rapazes em grupos nas esquinas
Calavam-se à passagem das meninas.
E estas, por sua vez, agradecidas,
Meio tímidas, meio comovidas,
Mandavam-lhes olhares penetrantes,
Varando a treva como negros fios,
Agudos, longos, úmidos, brilhantes
- Lâminas de aço ou dardos luzidios -
Dirigidos em cheio aos corações.
- Casas abertas, bem iluminadas,
Lançando à rua a luz dos lampeões,
Ostentavam insônias desusadas,
Inocentes orgias familiares
Só permitidas numa noite do ano,
Em que a alegria dominava os lares,
Revigorando a fé no peito humano.
Mais tarde... o sino vibra e se ilumina
Todo o interior da igreja centenária,
Há séculos de pé, sobre a colina,
Como uma sentinela solitária...
O sino da Matriz bimbalha alegremente...
Sobe pela ladeira acima toda gente
Em direção à igreja.
A encosta agora alveja
Em fileiras de luz,
Tremeluzindo em postes de bambus,
Em que se colocaram lamparinas,
Pequeninas,
Excitantes, bruxoleantes,
Lembrando um batalhão de esqueletos bizarros
Todos trazendo à boca, acesos, seus cigarros.
lembro-me ainda: Eu era pequenino.
Finalizada a Missa na Matriz,
Cada fiel seguia o seu destino,
Voltando à própria casa mais feliz.
E no semblante alegre das crianças
Perpassavam risonhas esperanças:
Na madrugada alegre que chegava,
Papai Noel, de certo, transportava
Brinquedos, guloseimas aos milhares
Para os sapatos todos dos seus lares...
O meu Natal foi sempre mais sereno.
Eu sempre compreendi, desde pequeno,
A humildade de nossa condição.
Por isso, nunca tive uma ilusão
Nessa noite de sonho e fantasia.
Bastava-me sentir, quando dormia,
(Bem mais feliz, talvez, então, eu fosse).
Uma carícia suave, muito doce,
Um beijo da mãezinha em minha face,
Como se um anjo sobre mim roçasse
As penas leves, brancas de sua asa
- Meigo Papai Noel de nossa casa!
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