Eu vejo sempre o céu fitando a Terra,
Vejo a Terra também fitando o céu,
Mas não desvendo o misterioso véu
Que esse amor infeliz, há tanto, encerra.
Tenho mesmo a ilusão de que esse incréu
Disputa a amada à sorte em plena guerra
E vejo por detrás daquela serra
O beijo que eles dão como um troféu.
E vendo no horizonte aquele beijo
De corpos tão distantes também vejo,
No horizonte visual das ilusões,
Lábios humanos sempre se encontrando
Em beijos longos muitas vezes quando
Bem longe um do outro estão os corações.
No nobre e velho parque abandonado,
Entre ruínas de heráldico passado
Uma rosa vermelha,
Fúlgida, se assemelha
À rainha orgulhosa,
Esplêndida, formosa,
A dominar à força de beleza
A estesia imortal da Natureza
Em meio de raquíticos vassalos,
Magnífica e sublime a domina-los,
Primeira entre os primeiros
Tesouros dos canteiros,
Soberana se ostenta
E às vezes aparenta
Lábios sanguíneos que o desdém descerra
Ante a inveja floral de toda a Terra.
No vasto firmamento alto e profundo
- Clâmide azul aberta sobre o mundo -
Uma estrela fulgura
- Claro riso da altura,
Álacre e cristalino -
Como um farol divino
Ou um cálice de bênçãos luminosas
A gotejar no cálice das rosas.
Ela empana o fulgor das companheiras,
Pois é também primeira entre as primeiras
No lúcido cenário.
Seu brilho extraordinário
Que trêmulo palpita
É uma aza que se agita
Pulverizando pelo espaço em fora
Claridades balsâmicas de aurora.
Chegando a estrela a rosa se entristece
E diz-lhe baixo como numa prece:
- Formosa estrela, o teu fulgor radiante
Põe ancenúbios de oiro e de diamante
Na minha tez de seda e de veludo.
Mas, sinto, que me invade um tédio mudo,
Um desejo esquisito de brilhar,
De ter cintilações, de fulgurar
E de resplandecer como uma gema,
Ser dos jardins um lúcido diadema,
Ó - falena de luz - desce no espaço,
Vem pousar no meu cálido regaço!
Serás o espírito - a alma de uma flor.
Serei a carne - o corpo de um fulgor.
Por muito tempo a estrela estremeceu
E, por fim, tristemente, respondeu:
- Ó flor, eu vi num rápido momento
Como é universal o sofrimento.
Quantas vezes eu quis descer à terra,
Pesquisar o misterioso que se encerra
Na corola das flores olorosas,
Ter vida e ter perfume como as rosas,
Ter os beijos do sol, quente e fecundo,
E andar de colo em colo pelo mundo.
Mas, ai, querida irmã, como é infinita
A Dor universal. Em mim palpita
uma ânsia igual a que te faz sofrer.
Sou alma e nunca poderei descer -
És corpo e nunca poderás subir.
O astro parou instantes a luzir.
Depois voltou pálido, apagado,
Com um rosto depois de ter chorado,
Olhou e viu em pétalas no chão
Desfeita a linda flor. A estrela então
Sentindo ainda maior a sua dor,
Exclama, em voz tremente, para a flor:
- Bem mais feliz tu foste, ó rosa amiga,
O meu destino exige que eu prossiga
Na rota do infinito. O corpo morre...
E tu morreste. O espírito percorre
Todas as direções da Eternidade.
Só me resta de ti grande saudade,
Pobre amiga gentil. Eu fico ainda.
A minha sorte é triste e eterna, infinda:
Serei por sempre lúcida, imortal,
Como o fantasma da Ânsia Universal.
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