quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Profissionalizar a gestão é questão de sobrevivência

As companhias familiares brasileiras vivem um momento único com o aquecimento da economia e as boas perspectivas de negócios no país. Mesmo assim, as que não investirem em um processo de profissionalização tendem a não resistir no longo prazo. Esta é a opinião, do professor Guido Corbetta, reitor da Bocconi Graduate School e diretor de departamento de administração estratégica da SDA Bocconi, renomada escola de negócios italiana. Ele está no Brasil para uma série de encontros de negócios e palestras a empreendedores.


Especialista em empresas familiares de médio porte, Corbetta destacou a necessidade da meritocracia dentro da cultura das companhias e avisou que, para reter talentos, as famílias devem estar presentes no dia a dia, mas deixando os gestores livres para atuar. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida com exclusividade ao Valor:


Valor: Quais as diferenças entre as empresas familiares brasileiras e as europeias?


Guido Corbetta: O Brasil está no começo de um processo de crescimento. Sinto que nesse momento há muita energia nos empreendedores e nas famílias. Na Europa, é diferente. Temos famílias que estão tentando superar a crise, por exemplo, por meio de processos de aquisição de outras companhias. Mas é um número pequeno. No Brasil, o meu sentimento é de que há mais energia para crescer. As empresas aqui são sólidas e acredito que elas têm grandes oportunidades.


Valor: Como especialista em empresas familiares de porte médio, você acredita que essas companhias estão mais profissionais?


Corbetta: Meu foco de estudo são as empresas europeias, mas eu acredito que no Brasil isso também deve acontecer. No fim das contas, a crise de 2008 ajudará a criar melhores companhias. Haverá mais competição causada pela menor demanda e, nesse cenário, o dever da empresa é o de ser mais profissional. Minha percepção é positiva sobre a profissionalização das pequenas e médias companhias. As que não fizerem isso não sobreviverão. Atualmente, no Brasil, a empresa pode crescer apenas pela qualidade de seus empreendedores. Em poucos anos, porém, elas precisarão se focar em uma gestão mais profissional.


Valor: A abertura de capital das empresas familiares de porte médio é uma tendência?


Corbetta: Este é um processo importante e positivo, pois a companhia consegue obter mais recursos financeiros com ele. Obviamente, isso só será bom se a companhia estiver preparada para mudanças, para ser transparente e profissional. Se mais empresas decidiram abrir capital, isso significa que esse desejo de profissionalização está mais difundido.


Valor: Este é um movimento que pode ser considerado global?


Corbetta: Acredito que ele é mais comum no Brasil. Não vejo esse movimento na Europa, essencialmente por causa da crise. Para dar um exemplo, tivemos apenas um IPO na Itália este ano.


Valor: Quais são os desafios para empresas familiares em um processo de globalização?


Corbetta: Elas têm dois desafios. O mais importante é o da profissionalização da gestão. É preciso ter em mente que esse processo é importante tanto para quem não é membro da família, quanto para quem é. Um familiar pode ser um bom gestor caso estude, se prepare e trabalhe muito. Se não fizer isso, é melhor evitar trabalhar para a empresa. O segundo desafio está relacionado aos recursos. Para crescer, negócios familiares precisam de financiamento. A abertura de capital e os private equities são boas opções.


Valor: O que faz com que algumas empresas familiares sejam bem-sucedidas e outras não?


Corbetta: A diferença está na qualidade da família e isso depende de sua educação. Algumas são inteligentes, apaixonadas pelo negócio e deixam dinheiro na empresa. Elas não precisam de altos dividendos nem de altos salários. Há outras famílias que estão mais interessadas no lucro do que no crescimento da companhia. Essas não entendem que é importante ter e preparar bons gestores.


Valor: O que faz um processo de profissionalização bem-sucedido?


Corbetta: Começar o mais cedo possível, mesmo se a empresa é pequena. É importante ter planejamento estratégico, ferramentas administrativas e orçamentárias. Ser meritocrático com membros e não membros da família. Isso significa que os resultados são importantes. Profissionalização não significa que você precisa estar menos próximo das pessoas, mas sim introduzir uma cultura meritocrática na empresa. Ao mesmo tempo, você deve respeitar as pessoas, porque em negócios familiares normalmente os recursos humanos são um grande ativo.


Valor: Em um mercado global, é mais difícil manter o controle da empresa nas mãos da família?


Corbetta: Gigantes como Fiat, Peugeot, BMW, Volkswagen e Tata são empresas familiares. No mercado de aço, a Mittal. No farmacêutico, a Roche. No varejo, o Walmart. Alguns negócios familiares têm a oportunidade de crescer muito e manter o controle mesmo se tornando globais. Você precisa trabalhar, captar recursos e, provavelmente, abrir o capital. É possível, mas não é fácil.


Valor: As empresas familiares têm mais dificuldade em encontrar e atrair talentos?


Corbetta: Elas podem ter mais dificuldade. Tenho visto casos em que os gestores recusam uma oferta porque a família não tem a cultura de deixá-lo livre para tomar decisões e fazer o seu trabalho. É preciso dar autonomia aos executivos e, algumas vezes, as famílias não querem abrir mão do poder.


Valor: Como evitar erros em um processos de sucessão?


Corbetta: É preciso distinguir muito claramente posse, governança e gestão. Você pode ser um ótimo dono, mas um desastre em termos de administração. Então, é importante que cada um faça o que é capaz de fazer. Além disso, é muito importante usar a meritocracia e aproveitar corretamente os serviços de terceiros como consultores, bancos, outros empreendedores e conselheiros independentes, que possam avaliar o processo sem o olhar emocional de um membro da família. Todos esses elementos podem ajudar a família a ter sucesso no processo de transição entre gerações.


Vívian Soares

 
Fonte: Valor Econômico

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