Pouco mais de um mês após a publicação da instrução que muda o registro de analistas e exige a evidência de eventuais conflitos de interesses nas recomendações de investimento realizadas, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) propõe uma modificação nas regras já aprovadas pelo mercado, que entrarão em vigor em 1º de outubro. O alvo agora são os analistas que participam das ofertas iniciais de ações, os chamados IPOs na sigla em inglês, e outros papéis.
A autarquia colocou em audiência pública nesta segunda-feira uma minuta para vedar atuações por parte dos analistas que poderiam comprometer a sua imparcialidade. As mudanças foram propostas com base nos comentários que tinham sido recebidos durante a audiência que levou à elaboração da recente Instrução 483. Mas não foram incluídas na própria instrução para "não atrasar as regras, que já eram tão esperadas pelo mercado", segundo o superintendente de Relações com Investidores Institucionais da CVM, Francisco José Bastos Santos.
Pelas propostas realizadas pela autarquia, os analistas não poderão mais participar, de forma direta ou indireta, de quaisquer atividades relacionadas à oferta pública de distribuição de valores mobiliários. O objetivo é fazer com que o profissional faça a análise de investimentos de forma independente.
"O analista não tem que interagir com atividades que são próprias de banco de investimentos, como a de oferta pública", disse Santos. Isso quer dizer que esses profissionais não poderão participar do esforço de vendas, em apresentações aos clientes, os chamados "road shows". "Isso não faz parte do escopo de atividade do analista, porque ele tem que analisar os valores e emissores e produzir opinião imparcial sobre isso", explicou o superintendente da CVM. Sem citar nomes, ele admitiu que, atualmente, esse tipo de prática acaba acontecendo no Brasil.
Outra atividade que alguns analistas exercem e que a autarquia quer coibir é a participação em consultoria financeira em operações de fusões e aquisições. Novamente, neste caso, haveria possibilidade de conflito de interesses. Se o profissional participar do processo de negociação, poderá ter algum tipo de informação privilegiada ("insider information") do processo ou ainda sofrer influências na realização da análise do negócio.
Se a CVM mantiver a minuta conforme as propostas que está levando para audiência pública, os analistas de investimentos terão que modificar a sua atuação, inclusive na forma de divulgação dos relatórios elaborados. Como muitos relatórios são ansiosamente esperados pelo mercado, podendo ter influência sobre o rumo dos papéis, a autarquia acredita que a sua publicação têm que seguir parâmetros preestabelecidos.
Pela proposta da CVM, até a data da publicação oficial, o relatório do analista, ou parte dele, ou mesmo seu conteúdo, não poderão ser divulgados para ninguém de fora da equipe de análise. Isso inclui, principalmente o emissor dos papéis que estiver sendo objeto da análise.
"Divulgação prévia ou seletiva para pessoas que não fazem parte da equipe de análise da instituição pode levar a 'insider information' ou levar à parcialidade do analista, porque pode influenciar sua opinião", disse o superintendente da CVM.
Apesar de tratadas em separado por serem consideradas "pontuais e específicas", Santos reconhece que as poucas mudanças propostas ontem são de grande importância para a atividade dos analistas. Por isso, a autarquia resolveu tratar dos conflitos de interesse de maneira rígida.
"Optou-se por editar a 483 com a vigência atual, e, quase simultaneamente, colocar em debate novos pontos", disse. "Embora fossem tópicos muito concentrados, eram pontos importantes e mereciam um debate público." A instrução era aguardada há algum tempo e o Colegiado da CVM entendeu que não valia a pena fazer o mercado esperar por mais tempo, explicou Santos.
A minuta que pode modificar a instrução dos analistas fica em audiência pública até 22 de setembro. As novas regras não devem entrar em vigor ao mesmo tempo que as já aprovadas, porque a CVM ainda vai analisar os comentários realizados pelo mercado para, então, decidir se publicará a minuta original, se haverá alterações ou mesmo se não publicará as mudanças.
Segundo a CVM, essas restrições já são adotadas no exterior, pelas autoridades dos Estados Unidos e da Europa. O Valor procurou dois dos principais bancos que organizam ofertas iniciais - Credit Suisse e Itaú BBA - para saber como era o tratamento dado à questão dos analistas, mas as instituições não quiseram comentar as mudanças.
Juliana Ennes
Fonte: Valor Econômico
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