segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Para empresários, governo ajuda chineses

A forte concorrência dos produtores chineses contra fabricantes nacionais recebe ajuda do próprio governo brasileiro, segundo apontam empresários afetados pelas vendas dos asiáticos no Brasil. Fraudes na importação de bens de consumo chineses têm sido beneficiadas pela demora do Ministério da Fazenda em regulamentar a lei que impediria o uso de terceiros países para contornar medidas antidumping contra a China. E a opção por fornecedores importados por parte de empresas contratadas pela Petrobras ajuda a impulsionar a venda de máquinas e equipamentos chineses que cresce aceleradamente no país.


Embora a Petrobras aponte índice de nacionalização de 75% em suas encomendas, somando serviços e mercadorias de menor valor agregado, a terceirização dessas aquisições tem feito com que, ao contrário, 78% das compras de máquinas e equipamentos pesados da estatal venham do exterior, grande parte da Ásia, segundo estudo em fase de conclusão, apresentado pela Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) ao presidente da estatal, José Sérgio Gabrielli. As vendas em maior crescimento são as provenientes da China, indica o estudo.


A China superou o Japão, no ano passado, como terceiro maior fornecedor de bens de capital mecânicos ao Brasil, e, neste ano, ameaça superar a Alemanha e se tornar o segundo maior fornecedor, só atrás dos Estados Unidos, indica levantamento da Abimaq. Em 2009, de janeiro a junho, os chineses vendiam 8,5% das máquinas e equipamentos importados pelo Brasil. Neste ano, no mesmo período, já são responsáveis por 11,7%, pouco abaixo dos alemães, que representam 12,5% das importações de bens de capital mecânicos.


As grandes encomendas de bens de capital de siderúrgicas e da Petrobras empurram o aumento de quase 58% das vendas dos chineses, de US$ 1,25 bilhão no primeiro semestre. Entre os maiores fornecedores desses produtos ao Brasil, a China só ficou abaixo dos 185% de aumento das importações originárias da Coreia do Sul, outro grande fornecedor da estatal. "A Petrobras, para chegar a índice de nacionalização de 70% computa serviços no país, como terraplenagem de terrenos, e a compra de produtos importados já internados no mercado brasileiro", diz o primeiro vice-presidente da Abimaq, José Velloso Dias Cardoso.


O executivo argumenta que o índice apresentado pela estatal é distorcido pelo sistema usado nas compras de maior porte, o chamado EPC, "engineering procurement construction", pelo qual grandes encomendas, como plataformas, unidades de nafta ou navios são contratados de construtores no país. "A Petrobras compra de uma firma no país, mas essa firma traz todos os equipamentos de fora", explica Velloso.


"Todas as refinarias no Brasil tem válvulas nacionais. Agora estão comprando 80% da China", queixa-se o vice-presidente da Abimaq. Ele reconhece que as compras feitas diretamente pela estatal têm maior conteúdo nacional que as encomendas terceirizadas. A Abimaq tem discutido com os dirigentes da empresa maneiras de cobrar dos fornecedores da Petrobras preferência à produção de bens de capital nacional. Até o fechamento desta edição, a estatal não havia atendido aos pedidos de informações feitos pelo Valor.


Em volumes muito menores, mas relevantes para os pequenos e médios produtores nacionais, a importação de bens de consumo da China chegou a ser reduzida graças a medidas antidumping aplicadas pelo governo, que constatou preços abaixo do normal nas mercadorias vendidas ao Brasil. Mas os dados de comércio exterior indicam que os exportadores chineses encontraram maneiras de driblar essa barreira, e vendem aos brasileiros por meio de empresas de fachada dos países vizinhos.


Na sexta-feira, em Brasília, o diretor do departamento de relações internacionais e comércio exterior da Fiesp, Roberto Giannetti da Fonseca, levou ao Ministério da Fazenda um documento comparando as práticas de outros países como EUA, membros da Comunidade Europeia e Argentina, que detectaram o uso de terceiros países pelos exportadores chineses para contornar as barreiras a mercadorias com preços artificialmente reduzidos. Calçados, escovas para cabelo e pedivelas (peça de bicicleta) são as maiores vítimas dessa fraude no Brasil, acusa Giannetti.


"Há anos tentamos fazer com que a Secretaria de Receita Federal aja contra esses produtos importados de maneira fraudulenta, maquiada", queixa-se Giannetti, que levou os argumentos da Fiesp ao secretário de Política Econômica, Nélson Barbosa. "A urgência da indústria não é a mesma da Fazenda", reclama o executivo. O súbito aumento de vendas, por países asiáticos, de produtos submetidos a antidumping contra fabricantes chineses no Brasil indica a fraude, tecnicamente conhecida como "circunvenção", argumenta ele.


Procurado, o Ministério da Fazenda afirmou que não se manifestará por enquanto, porque está criando um grupo de trabalho para estudar o assunto. Segundo técnicos da Fazenda, a Procuradoria-Geral da Fazenda ainda avalia como fazer a regulamentação.


Segundo o documento levado por Giannetti a Brasília, Taiwan, por exemplo, exportou, entre junho de 2006 a maio de 2007, antes do antidumping contra os chineses, cerca de US$ 300 mil mensais em escovas de cabelo, e, entre junho de 2009 a maio de 2010, três anos após a medida, Taiwan exporta mais de US$ 3,6 milhões. A Fiesp quer que a Receita regulamente a lei contra circunvenção, em vigor desde 2008, mas, até hoje, carente de aplicação prática.


Entre os exemplos mencionados pela Fiesp, o menos comprovado é o da pedivela, peça de bicicleta que já gerou volume de importações de 2,7 toneladas vindas da China, e que, depois da aplicação do antidumping, passou a ser trazia em grande quantidade de Taiwan e da Índia - ainda que as importações originadas desses países não tenham chegado a 800 quilos em 2009.


O caso das escovas, em que Taiwan passou de um fornecedor irrelevante a responsável por mais de 50% das vendas, chama a atenção, assim como o dos calçados, em que o Vietnã mais que triplicou as vendas ao Brasil em cinco anos. Segundo dados do setor, as compras de calçados da Malásia subiram de 11 mil pares no primeiro semestre de 2009 para 2,5 milhões em 2010. As compras do Vietnã aumentaram 109%, para 3,5 milhões de pares, e as da Indonésia, 55%, para 1,3 milhão.


A regulamentação da Receita permitiria investigar melhor e comprovar a prática da circunvenção, cobra a Fiesp. EUA a União Europeia já têm regras do gênero. A Argentina regulamentou a sua 23 dias após aprovar a lei contra esse tipo de fraude.


Sergio Leo

Fonte: Valor Econômico


Nenhum comentário:

Postar um comentário